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A expressão que remete à ideia de branquear, limpar capital, já é bem conhecida em todo o mundo e surgiu com a história do lendário Al Capone que, em 1928, em Chicago, para “lavar” as notas volumosas da máfia, oriundas do contrabando de armas, adquiriu uma cadeia de lavanderias. “A entrada de dinheiro era fácil, pois a maioria das pessoas pagava a limpeza das roupas em cash”, explica o advogado e coordenador de Direito da Unisinos, Francis Beck, que ministra curso sobre o tema no Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Empresariais (Ineje). “Eles compravam produtos, abriam as torneiras para gastar água a fim de justificar a quantia que entrava”, conta o professor. Segundo ele, a lavagem ocorre quando uma pessoa pratica alguma infração que gere vantagem econômica, e a ocultação da origem da espécie é crime. “É dar uma aparência de licitude a um patrimônio que tem uma origem ilícita”, resume.
O tema, que ganhou atenção dos noticiários no País com o episódio do mensalão, faz parte das muitas ações do governo federal em inibir os atos ilícitos que acabam ganhando proporções gigantescas aos cofres públicos. É que, a partir deste mês, passa a vigorar a lei que promete pôr fim neste tipo de infração, na medida em que busca a participação da sociedade, responsabilizando os profissionais que venham a pactuar com tal crime.
Porém, a Resolução 24 da Lei 12.683/2012, recentemente editada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), deixa claro que o cumprimento da lei, a partir de 1 de março, não se aplica aos contadores e técnicos em contabilidade, uma vez que esses profissionais possuem um órgão responsável pela regulamentação da profissão e, conforme a lei, estão regrados pelos órgãos competentes. Diante disso, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), juntamente com a Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon) e Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), elaboram um documento que visa a orientar os profissionais a respeito da matéria.
O vice-presidente de Desenvolvimento Operacional do CFC e ex-presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS), Enory Spinelli, diz que o assunto está sendo discutido por uma comissão, e que o texto, tão logo seja apreciado pelo plenário do CFC, terá um prazo mais elástico. Ele também adiantou que o posicionamento será o de seguir a legislação. “O que manda a lei é o que deve ser cumprido. Estamos apenas criando um ato regulatório”, completa.
Denunciar ou não denunciar, eis a questão. O tema polêmico tem mexido com a cabeça dos contadores e técnicos. “Nós já tínhamos a responsabilidade de comunicar, o que a lei fez foi obrigar a prestação da informação ao Coaf sobre as suspeitas de lavagem de dinheiro”, argumenta o empresário contábil e vice-presidente da região Sudeste da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon), Guilherme Tostes, que é favorável à nova redação da lei.
“Se eu descobrisse que meu cliente está cometendo esse crime, eu ficaria com muito medo de assinar o balanço”, relata e reforça que o código de ética diz que o contador não deve participar de uma fraude. “A contabilidade não está e nunca esteve a serviço do crime”, completa. Mas a dúvida dos profissionais é como ficará o relacionamento com o cliente após a informação. Tostes orienta que os empresários contábeis conheçam bem seus clientes para não virem a passar por essa situação.
O técnico em contabilidade Carlos Souto também está incomodado com a situação que poderá se criar. “Sempre pairará no ar a suspeita se ele informou ou não ao Coaf”, diz ele. “O profissional precisa estar ao lado do cliente, mas claro que respeitando as leis”, opina. Apesar disso, Couto diz que a Constituição Federal protege o sigilo profissional em qualquer categoria. Portanto, o conflito ainda permanece. Uma das questões que Couto critica na lei é a obrigatoriedade de comunicar qualquer comercialização a partir de R$ 10 mil. “Uma moto vale mais que isso e precisa haver uma comunicação”, questiona. Para ele, o governo está cerceando a liberdade do cidadão, embora aceite o fato de que é preciso combater o crime. “O Estado está estendendo seus tentáculos sobre o cidadão”, rebate.
Pelo temor de se tornarem os “dedos-duros” da história, o vice-presidente de Desenvolvimento Operacional do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Enory Spinelli, tenta acalmar os ânimos dos contadores explicando que não se trata de realizar uma denúncia, mas, sim, de prestar informações. “Vamos ter que trabalhar bem os procedimentos, pois é uma política de prevenção”, reconhece. Ele reforça que o Coaf não é um órgão de fiscalização, ele apenas realiza a triagem dos assuntos para informar aos órgãos competentes, tais como a Receita Federal, Policia Federal ou Ministério Público. “O que o profissional da contabilidade deve ter presente é que ele informa de maneira muito sigilosa, sem colocar em risco a sua profissão”, destaca. “O sigilo profissional tem que ser respeitado sempre, por isso não é denúncia”, diz Spinelli. O Brasil é um País signatário do acordo internacional com a Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a lavagem de dinheiro.
A nova redação da Lei 12.683/2012 mudou em vários aspectos da Lei 9.613/1998. De acordo com o advogado e professor da Unisinos e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Empresariais (Ineje) Francis Beck, a intenção do governo é suprir lacunas que existiam na legislação antiga, buscando inserir crimes como a sonegação fiscal e contravenções como o jogo do bicho, bem como admitir a lavagem em cadeia.
A partir de agora, explica, o empresário ou cidadão que não declarar todos seus rendimentos ao fisco, utilizando os valores sonegados para a construção de patrimônio, por exemplo, poderá incidir no crime. Entre as principais alterações, está a possibilidade de qualquer tipo de infração penal (crime ou mesmo contravenção) dar origem ao delito, já que, anteriormente, apenas determinadas infrações poderiam originar a lavagem. Segundo ele, isso aumenta substancialmente o âmbito de incidência da lei no seu aspecto penal.
Portanto, a precaução das empresas deve ocorrer tanto na regularidade das operações quanto nos deveres que possam dar origem “às pesadas sanções administrativas”. Pare ele, há necessidade de as organizações garantirem o cumprimento das normas legais e as políticas e as diretrizes estabelecidas para detectar e corrigir qualquer desvio ou irregularidades. A punição prevista continua sendo de três a dez anos de prisão, e a multa, que antes chegava a no máximo R$ 200 mil, poderá alcançar R$ 20 milhões.
Por ser de natureza clandestina, os órgãos não conseguem estimar a quantia exata movimentada anualmente com a lavagem de dinheiro. De acordo com dados da Organização das Nações Unidades (ONU), a quantia lavada globalmente em um ano varia entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão.
“Apesar de a margem entre esses dois montantes ser enorme, a menor estimativa já realça a gravidade do problema que os governos se empenham em resolver”, comenta o professor da Unisinos e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Empresariais (Ineje), Francis Beck.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) desempenhou papel fundamental no caso do mensalão. De acordo com o órgão, de janeiro a dezembro do ano passado, foram elaborados 2.104 relatórios sobre movimentação atípica de dinheiro, 633 relatórios a mais que o ano anterior, o que corresponde a uma diferença de 43% em relação aos 1.471 informes produzidos em 2011. As transações atípicas estão relacionadas a 15.772 pessoas.
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