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Uma das principais discussões atreladas à incidência do ICMS nas importações é centrada na legitimidade ativa para cobrança do imposto, tendo em vista o princípio federalista presente na Constituição da República. É que cada um dos Estados detém competência para instituir e cobrar os impostos de sua alçada, podendo haver aí um conflito positivo de competência.
O entrave se estabelece porque dois ou mais Estados se elegem como legítimos para cobrança do imposto em uma mesma operação de importação. A discussão tem como elemento de propulsão a divergência de redação de artigos da Constituição e da Lei Complementar nº 87, de 1996. Enquanto a Constituição prescreve que caberá o imposto "ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria", a lei determina q ue o imposto será devido ao Estado onde esteja localizado o "estabelecimento onde ocorrer a entrada física".
As dúvidas emergem quando o importador tem estabelecimento em ente federativo diverso daquele onde ocorre o desembarque físico, ou ainda, quando a situação se repete com o agravante da mercadoria importada ser remetida a destinatário final em um terceiro estado, sem que tenha circulado fisicamente pelo estabelecimento importador.
O Supremo Tribunal Federal (STF), quando analisou a matéria pela primeira vez, em 2004, firmou posicionamento de que o ente competente para cobrança do imposto é aquele onde esteja situado o estabelecimento importador (onde há ingresso jurídico), pouco importando onde tenha sido realizado o desembarque físico. Nesse caso, um estabelecimento de Pernambuco importou mercadoria (por conta própria), realizando seu desembarque no Rio de Janeiro e transferindo-a, sem que houvesse entrada física em seu estabelecimento, a outro contribuinte também situado em território fluminense. Nesse caso, ficou consignado que o ente competente para cobrança do imposto era o Estado de Pernambuco, já que era lá que se situava o estabelecimento importador da mercadoria (o local onde ocorreu sua entrada jurídica).
A questão ganhou novos contornos com a edição de um segundo acórdão pelo STF em 2005. Nesse segundo "leading case", diferentemente da situação fática trazida no primeiro julgamento, a importação era realizada por estabelecimento situado no Espírito Santo, por conta e ordem de estabelecimento paulista, sendo as mercadorias desembarcadas também no território de São Paulo. Nesse caso, o tribunal entendeu que o imposto deveria ser recolhido no Estado "em que está localizado o porto de desembarque e o destinatário da mercadoria", fixando São Paulo como ente competente.
Numa primeira análise, tem-se a impressão de que houve uma mudança radical da primeira orientação apresentada. Essa, no entanto, não é a interpretação que deve prevalecer, já que existem peculiaridades na construção fática do segundo julgamento que impedem o simplista entendimento de mudança nos rumos jurisprudenciais. A primeira e mais importante diferença reside no fato de que no primeiro julgamento a importação era realizada diretamente, enquanto que no segundo caso, a importação se dava por conta e ordem de terceiro. Tome-se, ainda, como aspecto de fundamental relevância o fato do tribunal, na segunda hipótese, verificar a existência de "um quadro escancarado de simulação" que tinha como escopo o aproveitamento indevido de incentivos fiscais concedidos pelo Estado do Espírito Santo.
Numa tentativa de sistematização e equalização destes entendimentos, como, inclusive, parece ter feito o STF em recente julgamento (RE nº 405.457/SP), é necessário separar as importações realizadas por conta própria, daquelas realizadas por conta e ordem de terceiros. No primeiro caso, assim como na importação por encomenda, a primeira orientação prevalece, o ICMS será devido ao Estado onde esteja localizado o destinatário jurídico da mercadoria, pouco importando o local onde seja realizado seu desembarque. Já nas importações realizadas por conta e ordem, temos que as operações terão de ser analisadas caso a caso, levando-se em conta, por exemplo, a existência ou não de interpostas pessoas ou de descompasso entre a forma e o conteúdo das operações, sendo inviável a indicação de regra objetiva, apesar de ser possível afirmar que, nesses casos, a tendência jurisprudencial é pela fixação do estado competente para cobrança do imposto com base na localização do estabelecimento do adquirente da mercadoria importada por sua conta e ordem.
A linha de entendimento aqui apresentada preserva o pacto federativo, permitindo que Estados não portuários mantenham a arrecadação do ICMS sobre as importações realizadas em seu território, sem, no entanto, descuidar-se da possibilidade de desconstituição de operações simuladas.
Diego Bomfim é advogado do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice e mestre em direito tributário pela PUC-SP
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