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“Se o Direito é concebido como uma ordem de coerção, então a proposição jurídica toma a forma de afirmação que deve ser executada mesmo contra a vontade de quem por ela é atingido e, em caso de resistência, com emprego da força”, escreveu Hans Kelsen. E essa força é a sanção.
Em outras palavras, a punição (sanção) seria essencial, seria indispensável para a observância da conduta ditada pela lei – conquanto não concorde integralmente com essa visão do direito, ela me será útil neste texto sobre a obrigatoriedade das normas jurídicas que tratam da contabilidade.
A atual lei sobre a contabilidade foi publicada no apagar das luzes de 2007, iniciando a sua vigência a partir de 1° de janeiro de 2008. Além de estabelecer o padrão contábil brasileiro – fundamentado no padrão internacional (IFRS) –, por meio da alteração na Lei das Sociedades por Ações, foi prevista a obrigatoriedade de auditoria externa e de divulgação das demonstrações financeiras para as empresas não abertas (sociedades limitadas e companhias de capital fechado) consideradas de grande porte (faturamento acima de R$ 300 milhões no ano anterior ou ativos totais em valor superior a R$ 240 milhões).
Uma das primeiras questões que me foi submetida sobre essa nova lei tratou, exatamente, da sua sanção: mesmo sendo de grande porte, qual a punição para a empresa que não tenha auditoria externa? Resposta: não há previsão na lei; portanto, seria uma norma jurídica sem sanção, cuja obrigatoriedade seria bastante limitada.
Na verdade, ainda que a lei silencie a respeito, algumas “sanções” foram estabelecidas pelo mercado, como, por exemplo, a exigência de bancos para a concessão de crédito, ou, ao menos, para o cálculo do risco na fixação da taxa de juros e do prazo do empréstimo.
Ocorre que, recentemente, foi noticiado um fato que pode implicar a aplicação de sanção formal às empresas que descumprirem a lei contábil. Matéria do Valor Econômico, assinada por Fernando Torres, de 20 de agosto passado, dá conta de que as empresas de grande porte deverão registrar, nas informações a serem enviadas para a Receita Federal, por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), o nome da auditoria independente que analisou as suas demonstrações contábeis. Tal registro deve ser feito já em 2014, para a escrituração contábil relativa ao ano calendário de 2013.
Duas implicações podem ser extraídas dessa exigência: primeiro, que a adoção dos IFRS (padrão internacional de contabilidade) será certificada nas empresas de grande porte, sob pena de ressalva no parecer dos auditores externos; segundo, a não informação sobre o auditor independente colocará a empresa em situação irregular perante a Receita e, mais do que isso, em situação irregular também perante a Junta Comercial.
O arquivamento dos livros comerciais (artigo 1.181 do Código Civil) hoje é feito por meio eletrônico, com o Sped. A irregularidade desses livros pode prejudicar a distribuição de lucros para os sócios e, no limite, extinguir a limitação da responsabilidade dos sócios pelos atos da empresa.
A lei contábil está aí para ser cumprida, com vistas à maior segurança daqueles que contratam com as empresas. Em sendo assim, fez bem a Receita Federal, provocada pelo Ibracon, em exigir essa “sanção” para as empresas de grande porte.
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