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Desde a promulgação da Lei nº 11.101, de 2005, é crescente o interesse de determinados agentes, especialmente fundos de investimento, em empresas nacionais com ativos depreciados - chamados "distressed assets". No âmbito da recuperação judicial, a experiência tem demonstrado que o soerguimento da sociedade em crise dificilmente ocorre sem o aporte de novos recursos financeiros, seja por meio dos próprios sócios, de terceiros investidores, ou pela alienação da empresa, em bloco ou em Unidades Produtivas Isoladas (UPIs). A expressão "UPIs" utilizada pelo legislador não tinha, até então, significado jurídico próprio entre nós, especialmente no que concerne ao preenchimento de seu conteúdo e a efetiva transferência do objeto de direito a terceiro, sem risco de sucessão do adquirente nos débitos do alienante, segundo a combinação dos artigos 60, 141 e 142 da Lei nº 11.101, de 2005. Mas, uma vez empregada, a prática exigiu esforços interpretativos quanto à sua precisão.
Em nosso sentir, o termo insere-se no contexto do que se convencionou chamar de "conceito jurídico indeterminado. Isto é, expressão semanticamente vaga, imprecisa quanto ao conteúdo de seus termos, cabendo ao intérprete subsumi-los à hipótese fática, considerando os efeitos jurídicos postos pela lei. No caso da UPI, esse processo de concretização requer o uso da analogia, como técnica de complementação e interpretação de suas expressões formativas. Sugere-se, nesse sentido, aproximar a expressão do conceito de "estabelecimento empresarial", construído pelos doutrinadores italianos e incorporado ao nosso ordenamento pelo artigo 1.142 do Código Civil de 2002, como sendo: o complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.
Pois bem: se é defensável a analogia acima, é também possível aplicar ao conceito de "UPI" as construções, doutrinária e jurisprudencial, desenvolvidas em torno do referido instituto. Nessa lógica, pode a UPI constituir um objeto unitário de direitos, qualitativamente distinto da soma dos bens que o integram. Logo, os ativos que formam essa unidade estão conectados ao desenvolvimento de uma atividade econômica por determinado período não se confundindo, no entanto, a parte com o todo.
Não se trata de transferir ativos essenciais de forma isolada, com o esvaziamento da atividade econômica
Nesse cotejo, faz-se, apenas, uma pequena ressalva: no caso da UPI o processo de afetação dos bens utilizados à atividade econômica explorada adquire ares mais flexíveis e variáveis conforme o caso, ajustando-se à necessidade da sociedade em recuperação, desde que seja mantida a funcionalidade da atividade econômica. Em outras palavras, defende-se que o devedor tem liberdade para agregar e desagregar bens sociais com o intuito de formar células isoladas que poderão ser, segundo previsão do plano de recuperação judicial, alienadas a terceiros com o objetivo de arrecadar recursos para a recuperação da sociedade.
Assim, a formação e posterior alienação de UPIs, como medidas recuperatórias previstas em plano de recuperação judicial, devidamente aprovado pelos credores, serão isentas de responsabilidade sucessória, mesmo que o complexo de bens tenha sido reunido, organizado e afetado pelo devedor de forma patrimonial e economicamente distinta daquela anteriormente utilizada. Defende-se, portanto, que a segregação do estabelecimento empresarial originário em complexos de bens diversos, quiçá nunca antes agregados pelo titular da atividade, mas afeitos a uma mesma atividade econômica, se enquadram perfeitamente no conceito indeterminado de UPI. Deve existir, contudo, uma razão econômico-administrativa para justificar a reunião de ativos em tal UPI, além da mera intenção econômica de permitir a venda sem sucessão, ao mesmo tempo em que é necessário remanescer no patrimônio da empresa em recuperação ativos capazes de constituir, por si só, uma, se não diversas, UPIs.
De um lado, a transferência dessa unidade a terceiros servirá para financiar o ressurgimento empresarial do recuperando e, de outro, para oferecer segurança jurídica ao adquirente quanto à inexistência de sucessão quanto às obrigações passadas. Por fim, parece-nos que estreitar as relações entre o conceito jurídico indeterminado de UPI e a noção de estabelecimento empresarial proporciona ao processo recuperatório flexibilidade na segregação parcial de bens do titular da atividade, desde que haja funcionalidade econômica, e que os bens remanescentes no patrimônio mantenham, ainda que de forma reduzida, razão econômica que justifique sua união e a recuperação da atividade.
Não se trata, portanto, de transferir ativos essenciais de forma isolada, com o esvaziamento da atividade econômica remanescente, sobre a qual persiste discussão acerca da sucessão nas obrigações passadas, mas da formação de unidades produtivas isoladas, já existentes ou recentemente criadas pelo devedor, com substrato econômico próprio e sem inviabilizar a atividade da recuperanda. A propósito, a jurisprudência tem evoluído na análise do tema e parece enveredar no mesmo caminho, outorgando maior grau de segurança jurídica e previsibilidade ao sistema recuperatório (dentre as quais, STF, Pleno, ADIN 3934-2/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j: 27/05/2009; TJSP, 20ª Câmara de Direito Privado, 0014550-83.2012.8.26.0000, Rel. Des. Álvaro Torres Junior, 27/08/2012; TST, 6ª Turma, RR 32700-07.2007.5.04.0403, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, j: 24/10/2012).
Rodrigo Tellechea e Gilberto Corrêa são sócios de Souto Correa Advogados
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