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Recebíveis na recuperação judicial

Empresas com boa qualidade de crédito têm menos a temer a "trava bancária"

Autor: Celso Roberto Pereira FilhoFonte: Valor Econômico

 Recentemente a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou-se a favor da tese de que os créditos (recebíveis) objeto de garantia de cessão fiduciária não estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial (REsp 1.359.848 - ES). Esse fato repercutiu imediatamente nas cotações das ações de instituições financeiras brasileiras. Interessante agora seria analisar como esse fato pode repercutir no mercado brasileiro de intermediação financeira.

Em um mercado perfeito, a exclusão dos recebíveis objeto de cessão fiduciária dos efeitos da recuperação judicial teria impacto nulo, observadas as premissas de que inexiste assimetria de informação entre bancos (credores) e empresas (devedores), que os agentes econômicos não possuem racionalidade limitada, e de que inexistem custos de transação.

Em um mercado hipotético como esse, é indiferente aos bancos conceder um crédito garantido por recebíveis ou um crédito quirografário, porque os bancos poderiam sem custos ajustar as taxas de juros ofertadas para considerar o prêmio de risco majorado do crédito quirografário. Do mesmo modo, seria indiferente às empresas tomar crédito garantido por recebíveis ou crédito quirografário, pois as empresas poderiam sem custos ajustar o prêmio de risco pago ao banco pelo crédito quirografário ao valor representado pela inconveniência da perda da propriedade dos recebíveis dados em garantia. As premissas da inexistência de assimetria informacional e inexistência de racionalidade limitada garantem que os custos dos ajustes entre créditos com ou sem garantia sejam praticamente nulos. Por sua vez, a inexistência dos custos de transação garante que os custos da negociação de um crédito com ou sem garantia sejam irrelevantes.

Empresas com boa qualidade de crédito têm menos a temer a "trava bancária"

No mundo real, a situação é outra. Os custos e as dificuldades técnicas de determinação do prêmio de risco de crédito, e a assimetria de informações entre bancos e empresas quanto à capacidade das empresas de pagamento de suas dívidas, levam ao problema da seleção adversa ("adverse ion" nos termos do célebre artigo do professor George Akerlof): os bancos não conseguem perfeitamente quantificar as diferenças na qualidade de crédito entre as empresas, assim, as empresas recebem tratamento desproporcional dos bancos, o que incentiva a proliferação das empresas de baixa qualidade no mercado. O mercado de crédito fica nivelado por baixo, tornando-se um "market for lemons".

Nesse último cenário, as garantias como a cessão fiduciária de recebíveis mitigam o problema apresentado. A constituição de garantias sobre recebíveis facilita a determinação do prêmio de risco de crédito ao destacar bens específicos do patrimônio do devedor para responder pelo pagamento da dívida tomada. Da mesma forma, a constituição dessa garantia funciona como um mecanismo de sinalização de empresas com boa qualidade de crédito, o que reduz os efeitos negativos da assimetria informacional. Como a probabilidade de inadimplemento é menor nas empresas com melhor qualidade de crédito, essas empresas têm maiores incentivos para prestar garantias como a de cessão fiduciária, pois pouco provavelmente terão suas atividades operacionais afetadas por eventos de inadimplemento. Empresas com boa qualidade de crédito têm menos a temer a "trava bancária".

Outro problema do mundo real é que após a concessão do crédito os bancos incorrem em custos de monitoramento das empresas. É necessário monitorar os devedores para garantir que eles possuam capacidade de pagamento da dívida. Nesse ponto as garantias sobre recebíveis atuam também como mitigadoras do problema. Ao facilitar a recuperação do crédito, as garantias representam incentivos para que as empresas mantenham sua saúde financeira, sob pena de perda sumária dos ativos dados em garantia. Trata-se de mitigar o fenômeno do risco moral das empresas ("moral hazard").

Desse modo, considerando o mundo real, o precedente do STJ repercute favoravelmente no mercado de intermediação financeira, ao confirmar a não sujeição dos créditos objeto de cessão fiduciária aos efeitos da recuperação judicial. Adicionalmente, o precedente do STJ ajuda a reduzir a incerteza legal no mercado, ao incentivar a uniformização nacional da aplicação da Lei de Recuperação Judicial e Falências, fato que por si próprio contribui para o desempenho do mercado de intermediação.

Ganham os bancos, as empresas com bons projetos de investimento e a sociedade brasileira.

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Atualizado em: 08/11/2024 20:59