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A previsibilidade e estabilidade das regras jurídicas são fatores importantes para o desenvolvimento econômico. Tais constatações são tão óbvias e encontram-se documentadas em diversos estudos científicos que não mereceriam ser repetidas aqui.
Apesar da obviedade, em nosso país a inconstância das regras do jogo ainda prevalece no agir das três esferas de poder: os diplomas legislativos são de duvidosa qualidade ou objeto de inúmeras modificações assistemáticas; os órgãos do Executivo não hesitam em criar novas exigências por meio de uma profusão de atos administrativos e, por sua vez, o Judiciário sente-se confortável para legislar. O ativismo jurídico é dos males o pior.
Desde seu nascedouro, a disciplina da recuperação de empresas (Lei nº 11.101, de 2005) tem sido alterada pela interpretação dos tribunais. Hipótese recorrente de disputas judiciais diz respeito à preservação das garantias prestadas pelos coobrigados (fiadores, avalistas etc.) após a homologação do plano de recuperação.
Encontramos decisões em todos os sentidos e mesmo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o entendimento não está pacificado. Neste ano ganharam destaque decisões proferidas pela Corte Superior que são aparentemente conflitantes. Em março, por meio dos Embargos de Divergência nº 1179654/SP, o STJ buscou unificar sua jurisprudência para assegurar a autonomia das garantias e o prosseguimento das execuções individuais em face os coobrigados da recuperanda. A decisão analisou apenas os art. 6º e 49 da LRF sob o aspecto da impossibilidade de suspensão das ações de cobrança movidas contra os garantidores, em decorrência do deferimento da recuperação judicial, sem debruçar-se sobre a extensão dos efeitos da novação. Em agosto, no Recurso Especial nº 1260301/DF, a 3ª Turma da Corte admitiu a baixa de inscrições de protesto feitas também contra os sócios da empresa em recuperação, por força da novação das dívidas uma vez homologado o plano. Esta recente decisão abre um caminho perigoso para pedidos de extinção das garantias.
O posicionamento viola a Lei nº 11.101, de 2005, e aumenta a insegurança para os agentes de mercado.
Isso porque a Lei de Recuperações institui um sistema coerente que assegura ao credor a conservação plena das avenças realizadas com os coobrigados do devedor (justificando, v.g, o protesto em cadastro de inadimplentes). A lógica do sistema está refletida em três momentos do processo: em primeiro lugar, a lei não admitiu os coobrigados como partes do procedimento recuperacional e assim não poderiam ser atingidos pelos seus efeitos.
O ativismo judicial prejudica diretamente o funcionamento do mercado
Num segundo momento, ao definir os créditos sujeitos à recuperação (passíveis, portanto, de modificações pela vontade dos credores), o legislador expressamente ressaltou que os credores preservam seus direitos em face dos coobrigados, fiadores e obrigados em recesso (artigo 49, parágrafo 1º), vale dizer, a barganha levada a efeito pela coletividade de credores se restringe às obrigações de titularidade da empresa em crise econômico-financeira. Por fim, ao disciplinar a eficácia do plano homologado (título executivo), a lei consagra a novação dos créditos, que passarão a ser disciplinados pelas condições aprovadas em assembleia de credores, porém dispôs igualmente que tal alteração não atinge as garantias (art. 59, caput).
Vê-se que a lei não é omissa no trata da questão. As decisões judiciais que autorizam a extinção das garantias, com fundamento na novação, usurpam as competências legislativas, atribuindo ao texto um sentido diametralmente oposto da vontade popular.
O ativismo judicial desequilibra a distribuição dos poderes e prejudica diretamente o funcionamento do mercado. A segurança jurídica, confiança que os contratos serão cumpridos na forma pactuada e em observância aos parâmetros legais (neste caso, higidez das garantias ou eficácia da sua execução), é um fator sopesado pelos investidores nacionais e estrangeiros para a concessão de crédito e fixação de seu custo.
O fato dos sócios da recuperanda serem, em regra, seus principais garantidores e coobrigados em nada altera o sentido da LRF. O sucesso do saneamento da empresa não depende da blindagem do patrimônio de seus sócios, inclusive porque o estado de crise dificilmente se resolve com a injeção apenas de capital próprio.
O Poder Judiciário é ingênuo ao achar que seu ativismo assegurará melhor resultado aos processos de recuperação judicial, pois ignora a resposta do mercado no médio e longo prazos: elevação da taxa de juros, reforço de garantia, restrição ao crédito ou inovação dos modelos contratuais. Também no bojo da recuperação judicial a visão míope acarretará consequências indesejadas, vez que os credores ficarão menos propensos a aprovar o projeto de reestruturação sem o respaldo das garantias originais.
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