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Decifra-me ou te devoro!” Era a frase que a Esfinge de Tebas, em “Édipo Rei”, dirigia aos que cruzavam seu caminho e que lhes custava a vida se não conseguissem desvendar seu enigma.
Não seria absurdo imaginar que o legislador, vislumbrando a complexidade de nosso sistema tributário e inspirado na mitologia, tenha contemplado o instituto da consulta tributária no artigo 161 do Código Tributário Nacional (CNT) para evitar que a ficção de Sófocles se tornasse realidade.
Embora concebida como instrumento destinado a afastar dúvidas dos contribuintes sobre a legislação tributária e garantir a indispensável segurança jurídica, sua redação foi ambígua, dando margem a várias interpretações sobre o seu real alcance e significado.
Digno de comentário o fato de o CTN dedicar-lhe apenas um parágrafo, apesar da sua enorme importância. Pior ainda: restringiu-se a informar que o tributo não pago no vencimento é acrescido de juros de mora, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis, exceto na hipótese de consulta pendente de solução, formulada dentro do prazo legal.
Fica a dúvida: afinal, apresentada a consulta “no prazo legal”, o contribuinte fica a salvo da multa (de mora e de ofício, além dos juros?) apenas durante o período em que estiver pendente de solução, se ao final o Fisco declarar ser o tributo devido nas circunstâncias ali descritas?
Esperava-se do Executivo que as dúvidas fossem dirimidas na regulamentação daquela disposição. No entanto, a tentativa de fazê-lo através do Decreto nº 70.235, de 1972 tornou sua interpretação ainda mais complicada. É que ao tratar do assunto, o decreto dispõe que a consulta “não suspende o prazo para recolhimento de tributo, retido na fonte ou autolançado antes ou depois de sua apresentação, nem o prazo para apresentação de declaração de rendimentos” (artigo 49).
Tudo indica que a menção a “tributo autolançado” refere-se àquele cujo lançamento se dá por homologação. Tomando essa premissa como verdadeira, conclui-se que a segurança garantida ao contribuinte seria restrita aos casos de lançamento de ofício (aquele promovido pela própria autoridade administrativa, sem a participação do contribuinte), resumindo-se a pouquíssimos tributos, como IPVA e IPTU. Mesmo nesses poucos casos, de nada adiantaria a formulação de consulta, pois ela não produziria o efeito de obstar o lançamento de ofício enquanto pendente de solução.
Dado que quase todos os tributos de nosso sistema são da espécie “autolançados”, o instituto da consulta serviria apenas para proteger o contribuinte contra ação do Fisco enquanto tramitasse o processo. Sendo a resposta negativa, estaria ele obrigado a pagar o valor considerado devido pela autoridade fiscal, com acréscimo de juros e multa de mora.
O contribuinte não possui instrumento eficaz para dirimir incertezas
Cabe indagar: o contribuinte que formula a consulta antes do vencimento da obrigação tributária pode ser considerado em mora? Se a consulta não suspende o prazo para apresentação da declaração, deve o tributo ser declarado como devido, implicando automática constituição do crédito tributário?
Ao analisar o assunto, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais decidiu, por voto de qualidade, que a consulta, ainda que declarada ineficaz, suspende o prazo para recolhimento do tributo, garantindo-se ao contribuinte o direito de fazê-lo no prazo de 30 dias contados a partir da ciência definitiva, acrescido apenas de juros.
Em contraposição, o Poder Judiciário, particularmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – a quem cabe julgar a matéria em última instância -, tem se mostrado hesitante, ora decidindo pela exigibilidade de todos os acréscimos legais (inclusive multa), ora pela não incidência de qualquer encargo (inclusive juros).
Paradoxalmente, os dispositivos legais editados com o propósito de afastar a insegurança jurídica acabaram por fomentá-la, seja pela imprecisão das normas que a regulam, seja pela acentuada divergência jurisprudencial.
Vale lembrar que boa parte das decisões desfavoráveis aos contribuintes em instâncias inferiores apega-se ao fato de que se não houvesse mora, o contribuinte poderia formular consulta com o único intuito de postergar o vencimento da obrigação tributária.
Nada mais equivocado. Primeiro, por supor que o contribuinte esteja sempre imbuído de má-fé. Segundo, porque as normas são claras ao recusar os efeitos da denúncia considerada ineficaz, dentre as quais se incluem as utilizadas com o exclusivo fim de extrair vantagem da já conhecida morosidade da administração tributária.
Ou seja, inverteram-se os sinais, pois a norma originalmente inspirada no princípio da segurança jurídica passou a ter caráter inibidor, para não dizer intimidatório.
Surpreende que em meio ao denso cipoal de normas que constituem nosso sistema tributário e às múltiplas interpretações cabíveis, o contribuinte não conte com instrumento eficaz para dirimir incertezas e que não lhe imponha o ônus de pagar tributo cuja exigibilidade seja duvidosa, nem suportar a mora caso deixe de fazê-lo.
A Esfinge de Sófocles não era mera metáfora. Os contribuintes desavisados que se cuidem, pois em caso de dúvida, o leão do Fisco não hesitará em devorá-los…
Vinícius Branco é sócio de Levy & Salomão Advogados.
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