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A Lei nº 12.440, de 2011 criou a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), a ser emitida pela Justiça do Trabalho, "para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho". O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar: o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia. Essa certidão será exigida das empresas, para a participação de licitações ou concorrências. A expedição da CNDT foi "regulamentada" pelo TST, por intermédio da Resolução Administrativa nº 1.470, de agosto deste ano. Trata-se de mais uma tentativa de imprimir "efetividade" à execução trabalhista, ainda que por via indireta. Um ideal louvável, sem dúvida. A certidão poderá se tornar um instrumento em favor dos bons pagadores, nas licitações e concorrências públicas. Também é de se admitir que a certidão permitirá melhor defesa do adquirente de boa-fé nos casos de alegação de fraude à execução. Porém, como todas as tentativas de tornar mais efetiva a execução implementadas até o momento, significa, na verdade, um desproporcional endurecimento no tratamento do devedor, o qual pode mesmo levá-lo à insolvência, além de ferir, claramente, as garantias da ampla defesa e do contraditório, aplicáveis mesmo no processo de execução.
Primeiramente devemos ressaltar que débitos trabalhistas têm natureza privada e não podem, por isso, ser comparados aos débitos tributários. Ora, a exigência de quitação de débitos tributários se justifica, quando da contratação com o Estado, pois que inadmissível que este contrate empresa que lhe é devedora. De seu turno, o interesse público, nas contratações com o Estado, não é afetado, pela existência de débitos privados, mesmo que sejam eles de natureza trabalhista. Desse modo não se justifica a exigência de comprovação de quitação de débitos trabalhistas como condicionante da participação de empresa em licitação ou concorrência pública.
Em segundo lugar, os acordos firmados perante a Comissão de Conciliação Prévia e os Termos de Ajuste de Conduta firmados com o MPT são títulos executivos extrajudiciais, não derivando de "sentença condenatória transitada em julgado".
Débito trabalhista tem natureza privada, não se compara ao débito tributário
Em terceiro lugar, recolhimentos previdenciários, honorários, custas, emolumentos e outros "recolhimentos determinados em lei" não são débitos trabalhistas, e nem a eles se equiparam.
Em quarto lugar, existem títulos executivos judiciais que podem ter sua eficácia executiva retirada, por decisão do Supremo Tribunal Federal (CLT, art. 884, parágrafo 5º).
Em quinto lugar, não existe, e nunca existiu, um controle perfeito do estágio de cada execução em curso em cada uma das Varas do Trabalho espalhadas por todo o país. Erros serão inevitáveis, e poderão trazer prejuízos insuportáveis à empresa. E quem arcará com esses prejuízos? Primeiro, o empresário. Depois, talvez e com muita sorte, o Estado.
Em sexto lugar, a regulamentação exarada pelo TST foi longe demais, ao prever que a CNDT possa ser "exigida" para fins de transação imobiliária, a qual, sem dúvida, não é questão de competência da Justiça do Trabalho.
Em sétimo lugar, o INSS pode recorrer contra acordos trabalhistas efetuados. O questionamento e eventual execução não são mais "trabalhistas", pois o empregado deu quitação pelo acordo. Mesmo assim, a execução e eventual inadimplemento de parcelas previdenciárias atrairá a inscrição da empresa no cadastro de devedores trabalhistas.
Em oitavo lugar, existe uma natural instabilidade nas decisões judiciais. Hoje, a Justiça do Trabalho pode ter uma posição unânime sobre uma questão, e amanhã essa mesma questão pode ser decidida de modo contrário, pelo Supremo Tribunal Federal. Veja-se, a exemplo, o que aconteceu com os Planos Econômicos. Então, a empresa ficaria "negativada" por todo o período em que luta contra a posição homogênea da Justiça do Trabalho, até que decisão da Corte Suprema a redimisse?
Em sétimo lugar, toda a sistemática instituída atinge diretamente as empresas que firmam contratos públicos. Enquanto isso, milhões de outras que deles não dependem, poderão manter débitos trabalhistas sem se preocupar com os efeitos da CNDT. Há, aqui, quebra de tratamento isonômico.
Repetimos o que já dissemos em outras oportunidades: ocorre violação do princípio da proporcionalidade toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados. Efetividade sem proporcionalidade é arbítrio, e só se pode falar em efetividade se agirmos dentro da proporcionalidade.
Os meios utilizados pelo Estado para conceder efetividade às decisões jurisdicionais devem ser capazes de, satisfatoriamente, dentro da razoabilidade, da racionalidade e da proporcionalidade, e observando a ordem jurídica imperante, garantir e permitir o fim a que se destinam. No entanto, evitando e impedindo todo e qualquer injustiça, prejuízo, excesso, violência ou arbítrio.
A criação de um Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, e a manutenção de "negativações" pela existência de débitos trabalhistas se revela desproporcional e pode causar mais prejuízos que benefícios. O tempo, como sempre, dirá.
Carlos Zangrando é advogado, gerente do escritório Décio Freire & Associados e professor da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro
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