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Responsabilidade penal e pessoa jurídica

Na verdade, os conceitos de pessoa jurídica e de empresa não se confundem, embora às vezes utilizados um pelo outro, indistintamente.

Autor: Alex Leon AdesFonte: Valor Econômico

No Brasil, alguns doutrinadores passaram a afirmar a existência, em nosso direito positivo, da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, em face do quanto disposto no artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988. De acordo com o artigo, "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Na verdade, os conceitos de pessoa jurídica e de empresa não se confundem, embora às vezes utilizados um pelo outro, indistintamente. Para a responsabilização penal no âmbito da empresa colhemos a palavra empresa no sentido de pessoa jurídica de direito privado, dedicada à atividade econômica.

A responsabilidade penal pelos ilícitos ocorridos no âmbito das pessoas jurídicas de direito público tem sido atribuída, acertadamente, às pessoas físicas. A elas se pode imputar os cometimentos ilícitos, não se cogitando a responsabilização da pessoa jurídica. Tampouco se tem admitido atribuir a uma pessoa natural, pelo fato de exercer determinado cargo público, a responsabilidade penal objetiva, ou a responsabilidade penal por conduta alheia. Salvo, é claro, nos casos em que haja participação do imputado, ainda que simplesmente por omissão, e tudo nos termos da lei penal tipificadora de cada delito.

É certo que no exercício da atividade empresarial, como de resto em qualquer atividade humana, existe sempre a possibilidade de condutas ilícitas. No Brasil, o dever e a responsabilidade não se confundem. O dever jurídico decorre da incidência de uma norma, legal ou contratual, e está situado no momento da liberdade humana. Por isto se diz que o homem é livre para cumprir, ou para descumprir os seus deveres jurídicos. Já a responsabilidade surge em um segundo momento, e a seu respeito, portanto, somente se questiona em face do não cumprimento do dever, isto é, em face da não prestação jurídica. Por isto se diz que a responsabilidade é um pressuposto para a efetividade da sanção que resulta da não prestação.

Dependendo do tipo de sanção da qual se esteja a cogitar, alguém pode ser ao mesmo tempo responsável e irresponsável. Em outras palavras, pode estar ao mesmo tempo sujeito à sanção de determinada espécie, e não estar sujeito à sanção de outra espécie. Alguém pode ser responsável pelos atos de outrem, no que diz respeito às sanções cíveis. Entretanto, ninguém é responsável pelos atos de outrem no que diz respeito a sanções penais.

No direito penal brasileiro, não há que se falar em responsabilidade objetiva. Responsabilidade penal objetiva significa atribuir um crime doloso a alguém que não agiu com dolo; punir o réu por crime culposo quando não realizou culposamente a conduta; aplicar pena a quem não se mostrou culpado na prática do fato. É imputar um crime a quem não o cometeu.

Assim, para apuração de responsabilidades no campo dos crimes societários, é relevante a presunção construída a partir dos atos constitutivos (contrato social, estatutos) da pessoa jurídica. Tais instrumentos indiciários revelam a divisão de trabalho no seio da sociedade, indicando a responsabilidade pela conduta delituosa, bem assim a quem aproveitaria o resultado do ato delituoso. Pode-se formar, a partir do contrato social ou dos estatutos, um juízo de probabilidade positivo ou negativo acerca da participação de cada um dos integrantes da sociedade no fato criminoso.

A acusação genérica, em que não se precise, em relação a cada um dos acusados os fatos considerados delituosos, viola diretamente as garantias constitucionais do devido processo legal, no aspecto procedimental, da ampla defesa e do contraditório.

Contudo, em numerosas oportunidades, passou o Supremo Tribunal Federal a tolerar, nos crimes societários, assim como nos crimes de autoria coletiva, que a acusação se faça sem a descrição individualizada da conduta dos partícipes. Para tanto, levou-se em consideração a dificuldade com que se defrontam os órgãos de investigação e o Ministério Público em penetrar na intimidade da vida societária, conhecendo as deliberações tomadas no âmbito da vida empresarial, bem como o disposto no artigo 569 do Código de Processo Penal (CPP), que autoriza que as omissões da denúncia ou da queixa sejam supridas a todo tempo, antes da sentença final. Assim, seria possível postergar-se para a fase instrutória a delimitação da responsabilidade individual dos sócios.

Quanto ao primeiro argumento, não é possível, como bem salientou Luiz Flávio Gomes, (...) compensar o déficit investigatório com a quebra das garantias fundamentais. Ademais, a admitir-se a impossibilidade de a investigação penetrar na intimidade da vida societária anteriormente à instauração do processo, parece evidente que tal impossibilidade persistiria ao longo do processo, e o juiz, à hora de sentenciar, não teria como particularizar a conduta de cada acusado na trama criminosa. Em outras palavras, o processo resultaria inútil, a não ser que se aceitasse o despropósito de também poder o magistrado proferir sentença condenatória sem particularizar a atuação de cada acusado, adotando-se uma responsabilidade "coletiva" pelo delito.

Quanto ao segundo fundamento, parte de equivocada interpretação do disposto no artigo 569 do CPP. Isto porque, as omissões que podem ser sanadas a qualquer tempo antes da sentença, são aquelas que não dizem respeito a elementos essenciais da acusação, tal como a descrição do fato delituoso, nas suas circunstâncias elementares, ou a suficiente individualização do acusado. Ou seja, falhas que não impedem o exercício do contraditório ou da ampla defesa. Além de contrário aos ditames constitucionais, interpretar o artigo 569 de modo a admitir que qualquer omissão da peça acusatória possa a qualquer tempo ser suprida, importaria negar-se a possibilidade de rejeição liminar da peça acusatória.

As penas criminais aplicáveis às pessoas jurídicas na verdade apenas afetam o patrimônio, não fazendo sentido utilizá-las, quando muito mais facilmente podem ser aplicadas sanções cíveis ou administrativas, de idênticos resultados. Portanto, a responsabilidade penal no âmbito da empresa deve ser atribuída apenas às pessoas naturais, e deve ter fundamento na culpabilidade.

Alex Leon Ades é sócio e advogado de Ades e Aronis Advogados Associados. Formado em direito pela Universidade de São Paulo, especialista em direito empresarial (Universidade Mackenzie), direito processual penal (Escola Paulista de Magistratura) e membro da Comissão de Defesa da Advocacia - Núcleo Criminal - OAB-SP.

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Atualizado em: 23/12/2024 14:07