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Seguindo as diretrizes internacionais de combate à concorrência fiscal desleal, o Brasil, em 1996, passou a adotar regras relacionadas à apuração dos preços de transferência, isto é, dos valores fiscalmente aceitos em operações de importação e exportação realizadas com partes relacionadas e/ou situadas em países com tributação favorecida, comumente denominados paraísos fiscais.
Nesse contexto, foram estabelecidos pela legislação preços máximos em operações de importações e mínimos em exportações realizadas com empresas vinculadas, os quais foram denominados como "preços parâmetro". Assim, a diferença entre o preço parâmetro e aquele praticado na operação deve ser adicionada ao lucro base para apuração do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido.
Para a apuração dos preços parâmetro, foram estabelecidos métodos específicos para as operações de importação e exportação, cabendo ao contribuinte decidir qual será utilizado. No caso das importações, os métodos originalmente tomaram como base (i) o custo de produção acrescido de uma margem de lucro; (ii) o preço de venda diminuído de margem de lucro ou (iii) os preços praticados no mercado por empresas independentes.
Dentre tais métodos, o de mais simples aplicação é aquele que se baseia no preço de revenda dos produtos, denominado pela lei como "Preço de Revenda Menos Lucro" (PRL), tendo em vista que sua apuração independe de informações alheias à empresa.
Entretanto, a despeito de sua simplicidade, foi justamente o PRL que deu ensejo às maiores polêmicas em termos de apuração de preços de transferência.
Inicialmente, referido método era calculado considerando o preço de revenda do produto importado, menos uma margem de lucro fixa de 20% sobre referido valor. Ocorre que, na prática, o critério se mostrou inaplicável para a importação de insumos, tal como ocorre na indústria farmacêutica, tendo em vista que os insumos importados não são revendidos, mas sim utilizados na fabricação de um produto acabado que será objeto de revenda.
As dificuldades de aplicação do PRL levaram a inúmeros embates entre o Fisco e as empresas do setor farmacêutico e também à criação de uma variante do método PRL, calculada a partir do preço de revenda e subtraídos (i) os descontos incondicionais concedidos; (ii) os impostos e contribuições incidentes sobre as vendas; (iii) as comissões e corretagens pagas; e (iv) a margem de lucro de 60%, apurada sobre o preço de revenda após deduzidos os valores referidos nos itens anteriores e o valor agregado no país.
Agora, após 14 anos de sua introdução no país, as regras de preços de transferência voltaram a causar polêmica com a revogação do PRL e sua substituição pelo Preço de Venda menos Lucro (PVL) pela Medida Provisória (MP) nº 478, de 2009.
Conforme a nova regra, o preço parâmetro será a diferença entre o valor da participação do bem, direito ou serviço importado no respectivo preço de venda e a margem de lucro de 35% sobre essa mesma participação. Para tanto, a MP traz a definição objetiva de como apurar a margem de lucro e a participação no preço de venda.
Portanto, não se fala mais em preço de revenda, mas sim no preço de venda, o qual será apurado considerando-se o preço líquido de venda obtido através da média aritmética ponderada dos preços de venda do bem, direito ou serviço produzido, diminuídos os descontos incondicionais concedidos, os impostos e contribuições sobre as vendas e as comissões e corretagens pagas.
Ademais, foi introduzido pela MP o conceito de percentual de participação dos bens, direitos ou serviços importados no custo total do bem, direito ou serviço vendido, que consiste na relação percentual entre o custo médio ponderado do bem, direito ou serviço importado e o custo total médio ponderado do bem, direito ou serviço vendido, conforme a planilha de custos da empresa. Referido percentual será aplicado sobre o preço líquido de venda, para que se defina a participação dos bens, direitos ou serviços importados no preço de venda do bem, direito ou serviço vendido. Isso é o que permite a utilização dos métodos ora comentados para o caso de importação de insumos, tal como ocorre na indústria farmacêutica.
Como se percebe, não somente foi alterada a margem de lucro, mas foram trazidos pela legislação novos componentes a serem considerados quando da apuração dos preços de transferência.
Por serem alterações recentes, não existe consenso quanto aos seus eventuais benefícios. Mesmo assim, salta aos olhos o fato de que foi estabelecida uma margem única, não se diferenciando a venda no atacado da venda a varejo, o que pode acarretar uma grande distorção no cálculo, tendo em vista que as margens praticadas em cada caso são sensivelmente diferentes.
Neste contexto, é importante ressaltar o fato de que o Brasil, na contramão dos outros países, ainda mantém uma posição hermética, resistindo ao estabelecimento de margens variáveis ou à utilização de outros métodos, que não os previstos pela lei.
Pelo contrário, consolida-se com a nova MP a utilização de uma margem de lucro fixa de 35%, a qual foi estabelecida de forma quase aleatória, sem a preocupação com as margens médias efetivamente praticadas em cada setor da economia.
Contudo, a solução para a questão das margens pode estar na própria legislação, já que a MP nº 478 prevê a possibilidade de estabelecimento de margens de lucro específicas para cada setor da economia.
Apesar de algumas dificuldades apontadas, está-se diante de um grande avanço, pois pela primeira vez efetivamente há espaço para a definição de margens de lucro mais compatíveis com cada ramo, reduzindo-se, desta forma, as distorções até então verificadas na apuração dos preços de transferência.
Dessa forma, cabe aos participantes de cada setor analisar os seus indicadores para concluir sobre a adequação ou não da margem de 35% prevista na legislação e, se for o caso, pleitear as devidas alterações à Receita Federal do Brasil.
Outro ponto da MP que merece atenção reside justamente nos seus fundamentos, pois a respectiva exposição de motivos esclarece que um de seus propósitos é dar força de lei a dispositivos que constavam apenas em instrução normativa, a fim de se reduzir os litígios causados sobre o tema.
Como se vê, o próprio legislador reconheceu que, em matéria de preços de transferência, vinham sendo aplicadas pelas autoridades fiscais algumas regras desprovidas de base legal. Assim, os contribuintes que até então foram prejudicados pelas mesmas passam a ter sólidos argumentos para discutir a questão na esfera judicial ou administrativa.
Finalmente, lembramos que a MP nº 478, de 2009 precisará ser convertida em lei para manter seus efeitos.
Ana Cláudia Akie Utumi e Raquel do Amaral de Oliveira Santos são, respectivamente, sócia responsável pela área tributária e advogada da área tributária de TozziniFreire Advogados
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