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O combate aos excessos na exigência de CND

O alto custo envolvido no emprego dos meios ordinários de exigência de tributos inadimplidos - que envolvem sobretudo o ajuizamento de execução fiscal contra o devedor - provocaram a busca, pelo Fisco de um novo modelo, mais barato e eficiente.

Autor: Paulo Camargo TedescoFonte: Valor Econômico

O alto custo envolvido no emprego dos meios ordinários de exigência de tributos inadimplidos - que envolvem sobretudo o ajuizamento de execução fiscal contra o devedor - provocaram a busca, pelo Fisco de um novo modelo, mais barato e eficiente. Na ordem do dia estão a cobrança de tributos por entidades privadas, contratadas para tanto pelo Fisco, e o protesto do devedor e novo modelo de execução fiscal em que se pretende deslocar do Poder Judiciário para a Fazenda parte dos atos constritivos tendentes à satisfação da dívida.

Muito antes disso, no entanto, criou-se sistema de cobrança indireta dos tributos devidos, mediante a imposição de restrições à fruição de direitos quando a pessoa jurídica estivesse inadimplente. É o modelo da exigência de certidão de regularidade fiscal, atualmente imprescindível para a prática de uma infinidade de atos empresariais.

Tal modelo, inegavelmente vantajoso para o Fisco, só é legítimo caso exista relação de pertinência entre a restrição imposta e a dívida tributária. A proibição só será lícita caso a prática do ato possa comprometer a quitação do débito.

Por isso, em muitos casos vem sendo debelado pela jurisprudência. Resgatando as manifestações mais recentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a exigência de regularidade fiscal para averbação de atos societários perante a Junta Comercial, de atos perante cartórios de registro de títulos e documentos e de registro de imóveis, bem como para transferência de domicílio no exterior. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) , por sua vez, considerou impertinente nova comprovação de regularidade fiscal quando do desembaraço de mercadorias internadas sob o regime do drawback. Além dessas discussões, controverte-se sobre o cabimento da exigência de certidão de regularidade fiscal de pessoas jurídicas em recuperação judicial.

Paralelamente a tais hipóteses, há outros casos em que a exigência de comprovação de regularidade fiscal mostra-se excessiva e, por isso, deve ser afastada.

Uma delas diz respeito à vedação à distribuição de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde ou concurso. Nada há nessa atividade tendente a inibir o pagamento da dívida. Bem ao contrário, trata-se de expediente lícito e tendente a fomentar a atividade empresária, o que pode trazer higidez financeira à pessoa jurídica, vindo ao encontro da pretensão do Fisco.

Outra concerne à exigência de comprovação de regularidade fiscal para a aquisição de energia elétrica pelas empresas distribuidoras.

Após experiências recentes de dificuldade no suprimento de energia no país, o poder público estabeleceu que a aquisição de energia elétrica pelas distribuidoras deve se dar no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), pessoa jurídica responsável pela contabilização e liquidação desses negócios. Essa aquisição se dá na forma de licitações promovidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ou pela CCEE.

Esse cenário de atuação do Estado nas operações de aquisição de energia permitiu, ainda, a fiscalização da quantidade de energia adquirida pelas distribuidoras, que deve ser suficiente para garantir o atendimento ao seu mercado.

Como alternativas à aquisição de energia por licitação, a distribuidora pode adquiri-la de Itaipu, de geração distribuída e de usinas que produzam energia a partir de fontes alternativas. Entretanto, essas três formas alternativas de aquisição de energia não são o bastante para suprir a demanda das distribuidoras.

Assim, na prática, a demanda de energia das distribuidoras deve ser atingida mediante participação nas licitações promovidas pela Aneel ou pela CCEE. Caso não adquira previamente energia suficiente para suprir a demanda estimada, a distribuidora se sujeita a sanções. Contudo, por força de lei, a habilitação para participação em licitação demanda a comprovação de regularidade fiscal.

Portanto, de um lado o Poder Público exige que as distribuidoras adquiram energia suficiente para atender o seu mercado mediante participação em licitações, ao passo que, de outro, impõe a comprovação de sua regularidade fiscal para a participação nesses certames. Essa exigência de regularidade fiscal, no caso, colide com a garantia constitucional do livre exercício da atividade econômica.

Fiel a essas diretrizes, o Supremo Tribunal Federal (STF) se mostra refratário a qualquer espécie de restrição ao livre exercício de atividade econômica em razão de inadimplência tributária. Prova maior disso é que editou súmulas dispondo que é inadmissível "a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo", "a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos" e "proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais".

Deveras, se a atuação das distribuidoras está limitada, por lei, às regras que restringem as formas de aquisição de energia, a sua participação em licitações não decorre de mera faculdade, mas de verdadeira compulsoriedade. É justamente essa nota de compulsoriedade que retira a legitimidade da exigência da comprovação de regularidade fiscal, pois restringe indevidamente o exercício de atividade econômica das distribuidoras, em desacordo com as diretrizes constitucionais acima mencionadas.

Além disso, as dificuldades impostas à participação de licitações comprometem, ainda, o ideal de modicidade tarifária, previsto na Constituição, pois implica a necessidade de contratação de energia, em regra, a preços mais elevados do que os praticados no ambiente regulado. E essa necessidade de contratação de energia a preços elevados prejudica, ainda, a regular prestação dos serviços de distribuição de energia elétrica, o que é imposto pelo princípio da continuidade do serviço público.

Por isso, também é inconstitucional a exigência de comprovação de regularidade fiscal das distribuidoras para sua participação nas licitações de aquisição de energia.

Paulo Camargo Tedesco é advogado do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados

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