Período: Dezembro/2024 | ||||||
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As atribuições de qualidades das coisas, essas que constroem conceitos, no que tange ao valor contábil sofreram alterações no curso dos tempos, passando por fases bem definidas em relação ao mercado.
Na Idade Média a produção resultava de custos específicos com a intervenção pessoal dos titulares da riqueza e os preços incluíam a mão de obra do artesão ou de familiares do mesmo; era a força endógena na formação do valor.
Progressivamente surgiram intervenções associativas, com relativas regulações próprias em “corporações”, “guildas”, agremiações de defesa de ofícios, hierarquizadas quanto as funções de pessoal (aprendizes, companheiros e mestres) de influência burguesa, produzindo relativas alterações nas qualidades do valor.
O fortalecimento do mercantilismo, a densidade dos capitais, ensejou novas variáveis com as “terceirizações” e a mão de obra passou a ser comprada; processou-se um critério de “interação valorimétrica” de maior expressão.
“In contrarium sensum” do que ocorria na alta idade média (476, até o ano 1000), em razão do crescimento da competição, ao adensarem-se as formações das “companhias”, foi o mercado que paulatinamente começou a prevalecer como regulador de preços.
Em face do intensificar dos meios de difusão e a velocidade com que circulavam as noticias foram essas as que principiaram a influenciar o mercado e um novo fator surgiu como mando na determinação de valor, além da realidade, susceptível de absorver intenções especulativas perversas (como deveras a história comprovou existir).
A concentração empresarial, formando grandes grupos de poder, ensejou dominar a mídia e, como decorrência, construir imagens que lhes convinham, motivando o consumo e multiplicando lucros nem sempre lícitos e éticos (como na posmodernidade se intensificou).
Exacerbada ganância financeira, com abalo da moral, fez com que especuladores se valessem do processo informativo sem escrúpulos, alimentando fraudes e crises; isso porque os valores de mercado ficaram a mercê de quem controlava os meios de difusão.
Em razão de divulgações enganosas foram engenhados “valores irreais”, permitindo a geração de “ativos podres” e “lucros fantasiosos”, agasalhados por um conceito questionável de “Valor Justo” (tido como o de mercado), imagem criada pelas conhecidas como “Normas Internacionais de Contabilidade”.
A “informação contábil” ensejou acobertar ambição exacerbada de ganhos, perdas fantasiosas, aparência de prosperidade não existente e ocultação de situações ruinosas.
Para o abono de tais práticas criaram-se, sob a justificativa de “consenso”, normas que se agasalharam em entidades oficiais – essa a denúncia já de há tempo feita pelo Senado dos Estados Unidos como defluência de pesquisas de Comissão Parlamentar de Inquérito editadas em 1760 páginas pela imprensa oficial. Ostensivamente o regime contábil estadunidense foi considerado carente de reformas; tudo isso em defluência de um “conluio”, segundo acusou o parlamento aludido, com a direta participação das maiores firmas de auditoria, entidades de classe sob a influência dos agentes de auditores e seus clientes empresários. Tais denúncias foram feitas igualmente por eminentes intelectuais como Abrahan Briloff, Stephen Zeff, Rogério Pfaltzgraff, Valério Nepomuceno e tantos outros em artigos e livros.
Os problemas não cessaram com o tempo e em novembro de 2009, publicamente, pela Internet se difundia noticia, traduzida de publicação feita nos Estados Unidos (blog do professor Alexandre Alcântara) que lançava ao ar a seguinte pergunta em texto sob o título “Onde estava o alerta sobre a crise?”: “O que possuem em comum as seguintes empresas: Lehman Brothers. Bear Stearns. Washington Mutual. AIG. Countrywide. New Century. American Home Mortgage. Citigroup. Merrill Lynch. GE Capital. Fannie Mae. Freddie Mac. Fortis. Royal Bank of Scotland. Lloyds TSB. HBOS. Northern Rock?”
E concluía dizendo que “todas quebraram” mostrando falsas posições de riqueza, mas, “tinham pareceres limpos de auditoria”.
Enseja a noticia inquerir: se as empresas seguiram as normas porque elas não foram competentes para prenunciar a crise e denunciá-la?
Porque os valores não espelharam a “transparência” tão proclamada?
Se as empresas mencionadas seguiram as denominadas normas internacionais, ao apresentarem “Valores Falsos” seriam esses os “Valores Justos” desejáveis? Que justiça se pretende deveras consagrar?
É tal procedimento contábil incompetente e causador de problemas financeiros, econômicos e sociais que devemos ensinar aos universitários, compelir os profissionais a realizar?
Iremos lecionar e impor o oposto do que a doutrina científica oferece se foge a realidade de expressão de valor contábil, o que se fundamenta no manipulável, que atende a interesses subjetivos exageradamente gananciosos e falazes?
A ciência contábil ensina de há muito que o valor é um efeito onde a causa é o fenômeno patrimonial quantificado pela essência, em razão da função de utilidade concreta do mesmo, e, que esta, só pode inspirar-se na realidade objetiva, possuindo por meta evidenciar com lisura a existência efetiva da riqueza.
Quando, todavia, o figurado como se fosse essência é fruto do subjetivo, de alternativas ao sabor do provável ou incerto, a quantificação assume caráter de virtualidade ou falsidade, essa que as normas denominadas como internacionais estão a ensejar, consagrando “valores de mercado” como sendo os “justos”.
Se a moeda por natureza já é um parâmetro instável, se o comercializável é manipulável, se tais fatores influem na avaliação, certamente o evidenciado deixará tanto mais de ser fiável quanto maior a influência dos fatores referidos.
Prudente, pois, é eliminar as variáveis que mais estão comprometidas com a manipulação, no caso, o valor de mercado, razão por si só suficiente para rejeitar-se o denominado como “Valor Justo”. Essa a razão pela qual eméritos autores como o professor Rogério Fernandes Ferreira preferem as cautelas do formalismo, ou seja, a de “In dubiis melior est conditio possidenti”.
Não bastassem as evidências dos desastres de muitas crises desde a década de 70 já muito seriam preocupantes as afirmações que fez o professor Pedro Nuno Ramos Faria, em 4 de novembro passado, no “Jornal de Negócios” de Lisboa, na coluna de uma das maiores autoridades do mundo contábil do País, o já mencionado Dr. Rogério Fernandes Ferreira (assim reconhecido oficialmente):
“É meu convencimento que os caminhos escolhidos pelas NIC (Normas Internacionais de Contabilidade) podem conduzir a manobras criativas que de todo se deveriam evitar.” “Trabalhando no estrangeiro, numa empresa multinacional, pressinto que aparecerão cenários de atuações menos convenientes”.
Endossa o aludido convencimento a sintomática indagação que segundo noticiário da imprensa está a realizar a Receita Federal do Brasil sobre os “ajustes” de balanços (que o dito Valor Justo enseja) motivadores de queda expressiva da arrecadação pública, logo após o período de implantação das denominadas “convergências contábeis”, inspiradas nas normas “de mercado bursátil” (na realidade anglosaxônicas, embora rotuladas como “internacionais”).
*Autor: Antônio Lopes de Sá
www.lopesdesa.com.br
Contato: lopessa.bhz@terra.com.br
Doutor em Letras, honoris causa, pela Samuel Benjamin Thomas University, de Londres, Inglaterra, 1999 Doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, 1964. Administrador, Contador e Economista, Consultor, Professor, Cientista e Escritor. Vice Presidente da Academia Nacional de Economia, Prêmio Internacional de Literatura Cientifica, autor de 176 livros e mais de 13.000 artigos editados internacionalmente.
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