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Em razão do trabalho de Lélio Lauretti, sob o título Ética e códigos de conduta nas empresas familiares (1), foi que elaborei este ensaio para tratar de ética, não só no âmbito das empresas, familiares ou não, mas também nas relações comerciais de todos os dias e no âmbito da atividade jurisdicional.
Para não entrar numa discussão filosófica e procurando enfrentar a questão de forma a mais objetiva possível, “ética é a teoria ou ciência do comportamento social dos homens em sociedade” (Adolfo Sanchez Vázquez, da Universidade do México, apud Lélio Lauretti, ob. cit., p. 83), com o que é forçoso reconhecer que não há ética individual, na medida em que ela só vai aparecer nas relações com a sociedade em geral.
Desse modo, as pessoas com as quais nos relacionamos devem ser encaradas como seres humanos. Por essa razão, na dispensa coletiva de pessoal de uma empresa, por exemplo, não pode haver a visão dos resultados meramente financeiros, justificando que a demissão de funcionários é necessária para diminuir custos, porque as receitas estão em crise.
A decisão da empresa deverá compreender, eticamente, que os cortes de pessoal não podem ser indiscriminados. É necessário diminuir os efeitos de tão grave decisão (por exemplo: estender os benefícios do plano de saúde, auxiliar na elaboração de currículos, contribuir para colocação em outra empresa, assegurar que esse funcionário terá preferência na readmissão quando possível, etc.).
A ética, como bem diz Lélio Lauretti (ob. cit. p. 85) “é o único guardião da lei” e que “sem ela, a lei é letra morta, já que o primeiro dos princípios éticos é justamente o respeito às leis”. Faz o professor Lélio, então, uma correta análise do comportamento da nossa sociedade sobre o valor do trabalho, havendo diferença abissal entre alguns valores destinados a atletas profissionais, estrelas de televisão e outros “famosos” nesse nível e a grande massa trabalhadora no Brasil.
Na ética, o que vale, como diz o professor Lauretti “não é apenas compreender nossas realidades, mas sim fazer o melhor, ou seja, buscar na ética a própria fonte de inovação! O que conta não é o sucesso, mas a felicidade, não porque Aristóteles a tenha definido como o próprio objeto da ética, mas porque as pessoas felizes não mentem, não invejam, não roubam, não difamam, não agridem, não matam — amam e são amados” (autor e obra citados, p. 89).
O verdadeiro alcance da ética é a solidariedade e o verdadeiro papel da empresa é o de gerar e distribuir riquezas em todos os níveis, sempre prestigiando a regra contida no parágrafo único do art. 116 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), quando diz: “O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”
O Código Civil, que cuidou de submeter os negócios jurídicos aos princípios éticos, dispôs no art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. Disse, também, que na interpretação dos contratos, devem as partes agir conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração e no art. 187 reprime, como ato ilícito, a conduta da parte que excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Tudo isso leva à certeza de que o juiz, para aplicar o direito, irá buscar a solução não apenas na lei, mas também nos usos e costumes para definir a ética.
A Constituição Federal, em seu preâmbulo, dispõe que “a República Federativa do Brasil constitui-se em estado democrático de direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos”, explicitando os seus princípios fundamentais da “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III) e a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I).
A Constituição está ajustada com os princípios éticos e com o aspecto moral, de tal modo que “a lei não deve ser apenas o fruto de uma vontade captada no órgão de representação popular, mas deve tender à realização da justiça. Em outras palavras, a lei passa a ser identificada não apenas pelo seu processo formal de elaboração, mas também pelo seu conteúdo” (Celso Ribeiro Bastos, Coment. à Const. do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1992, vol. 3, t. III, p. 11).
Todos esses preceitos são direcionados para a estruturação de um processo justo e igualitário. Desse modo, “a procrastinação maliciosa, a infidelidade à verdade, o dolo, a fraude, e toda e qualquer manifestação de má-fé ou temeridade, praticados em juízo, conspurcam o objetivo do processo moderno no seu compromisso institucional de buscar e realizar resultados coerentes com os valores de equidade substancial e de justiça procedimental, consagrados pelas normas constitucionais” (Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, p. 21/23; Humberto Theodoro Junior, Boa-fé e processo — princípios éticos na repressão à litigância de má-fé — Papel do juiz, Estudos de Direito Processual Civil, homenagem ao professor Egas Moniz de Aragão, Edit. Rev. dos Tribunais, 2005, p. 640).
O Código de Processo Civil impõe “deveres éticos às partes e aos procuradores e punição severa às suas infrações (Celso A. Barbi, Coment. ao CPC, 5ª ed. Forense, 1988, v. 1, p. 167). As regras constitucionais bem delimitam o campo ético (art. 5º, XXXV e LIV), de tal modo que é indispensável esse comportamento para a busca da justiça, assim como para a modernização do Judiciário, onde as reclamações estão sempre voltadas para o campo da ética. O CPC, no art. 17, relaciona as hipóteses de litigância de má-fé e todas elas, como faltar com a verdade, por exemplo, estão ligadas com à deslealdade processual. Assim, o comportamento ético é indispensável e fundamental para a eficaz aplicação do direito, sendo obrigação do advogado cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina (art. 33 do Estatuto do Advogado) e do juiz, no caso para aplicar o direito dentro da sua melhor percepção sobre a ética.
(1) Publicado em Acontece nas melhores famílias — repensando a Empresa Familiar, que é uma coletânea de artigos sobre esse tema, Ed. Saraiva, 2008, p. 71
EDGARD KATZWINKEL Jr.
Sócio fundador do Escritório Katzwinkel e Advogados Associados.
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