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A adoção das normas internacionais de contabilidade (padrão IFRS) pelas empresas brasileiras alterou, de maneira profunda, a condução e a prática da contabilidade no Brasil. A observância da Lei 11.638, de 2007, alterada pela Lei 11.941, de 2009, e dos Pronunciamentos Técnicos do CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis) está sendo colocada à prova nestes últimos dois anos (o corrente ano e o anterior). De um lado, essa mudança de cultura contábil atraiu o envolvimento de outros profissionais, até então, de certa forma, alheios à elaboração das demonstrações financeiras, como é o caso dos advogados; de outro, exige dos novos e dos antigos profissionais preparo e treinamento para lidar com as informações financeiras no padrão IFRS.
As mudanças promovidas no texto da Lei 6.404, de 1976 (Lei das Sociedades por Ações – LSA), especialmente nos dispositivos relativos à elaboração e apresentação das demonstrações financeiras, não alteraram, por si só, a responsabilidade dos administradores (empresários ou executivos) ou dos profissionais responsáveis pela contabilidade (controllers e contabilistas) das empresas. Nesse sentido, as disposições legais sobre tais responsabilidades são as mesmas que já estavam em vigor quando da publicação da Lei 11.638, de 2007, ou da Lei 11.941, de 2009. Ocorre que a adoção do padrão IFRS traz uma mudança estrutural na cultura contábil brasileira, o que, inevitavelmente, impacta a responsabilidade jurídica, quer seja civil, tributária e, inclusive, penal dos profissionais envolvidos na elaboração e divulgação das demonstrações financeiras.
Uma das principais alterações verificadas nas práticas contábeis brasileiras, em decorrência da adoção do padrão internacional, foi o abandono do registro contábil puramente formular, isto é, que segue uma forma pronta e acabada, tradicionalmente reconhecida como adequada, passando a ser adotado o julgamento de cada caso concreto, implicando que a contabilidade deixa de ser uma atividade exclusiva do contabilista, integrando outros setores da empresa, como o industrial, o financeiro, o jurídico, o de serviços etc. Além disso, reconhece-se, expressamente, o princípio contábil da primazia da substância sobre a forma (conferir item 35 do Pronunciamento Conceitual Básico – Estrutura Conceitual do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC: Resolução CFC NBC T 1 nº 1.121/08), o que, novamente, aumenta a responsabilidade dos profissionais envolvidos, pois ganha concretude o disposto nos artigos 167 e 170 do Código Civil, que estabelecem, por um lado, que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”, e, por outro, “se o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido”. Em conclusão, havendo, eventualmente, conflito sobre a interpretação de um negócio econômico, juridicamente configurado, a contabilidade poderá servir de prova para a definição da sua natureza jurídica e das responsabilidades de cada empresa contratante (e de seus administradores) daí decorrentes.
As novas diretrizes contábeis, ao se pautarem, principalmente, no julgamento e na primazia da substância sobre a forma, revela significativo grau de subjetividade, influenciando na análise da responsabilidade dos profissionais a quem cabe a tomada de decisões sobre os registros contábeis. Isso porque, embora não seja pessoalmente responsável pelas obrigações contraídas pela empresa, o administrador (empresário ou executivo) é responsável pelos prejuízos que causar quando proceder, ainda que dentro de suas atribuições ou poderes, com negligência, imprudência ou imperícia (artigo 158, I da LSA). A ação de responsabilidade civil contra o administrador pode ser, inclusive, proposta pela própria empresa, se assim os sócios (quotistas ou acionistas) deliberarem (artigo 159 da LSA), ou por órgãos ou entidades públicos, como, por exemplo, a Receita Federal do Brasil — some-se a isso a informatização sendo utilizada a favor do Poder Judiciário e dos órgãos de fiscalização (penhora on-line, Serviço Público de Escrituração Digital – SPED, Junta Comercial Eletrônica etc.).
Por outro lado, deve ser considerado que as decisões tomadas no âmbito da elaboração das demonstrações financeiras impactam, diretamente, o resultado da empresa e, por consequência, o lucro a ser distribuído. Fica claro, então, que decisões equivocadas, ou tomadas de maneira negligente, imprudente ou com imperícia, podem acarretar a distribuição também equivocada de dividendos aos sócios (quotistas ou acionistas). E a responsabilidade pela distribuição de dividendos fictícios é do administrador, solidariamente com o sócio, se este sabia da sua ilegitimidade (artigo 1.009 do Código Civil).
Finalmente, há ainda a responsabilidade penal. Por divulgação de informação falsa sobre as demonstrações financeiras da empresa, ou de utilização de artifício para melhorar a situação dessas mesmas demonstrações, os administradores (empresários e executivos) estão sujeitos à pena de reclusão de um a quatro anos (artigo 177 do Código Penal). Assim, eventual conflito ou dúvida quanto à elaboração ou à divulgação das demonstrações financeiras pode acarretar questionamento também na esfera criminal.
Em conclusão, conquanto a adoção do padrão IFRS pelas empresas brasileiras não tenham alterado os dispositivos legais sobre a responsabilidade dos administradores (empresários e executivos), a mudança de cultura contábil aumenta a sua exposição perante os casos de responsabilidade civil, tributária e criminal. Dessa forma, é dever de diligência dos administradores, e também dos contadores, conduzir com a máxima cautela, prudência e perícia a elaboração e a divulgação das demonstrações financeiras. Esta perícia pode, inclusive, envolver a atuação de profissionais capacitados tanto na análise dos limites da responsabilidade dos administradores quanto no conhecimento dos impactos no cotidiano das empresas das normas internacionais de contabilidade em si.
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