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O contribuinte foi empurrado para enfrentar o custo Brasil, caindo na ilegalidade (via informalidade), acomodando-se à legalidade (assalariados que pagam tributos na fonte) ou combatendo a legalidade com as próprias armas da legalidade (contribuintes que têm recursos para pagar esses custos de adequação): o resultado, portanto, é que o aumento da carga tributária empurra o contribuinte para o planejamento e para o contencioso tributário.
Por outro lado, é curioso notar o seguinte movimento: a extinção da CPMF no fim de 2007, que eliminou o mais poderoso "Raio X" da Receita Federal, baixando o poder de pressão do fisco sobre o contribuinte; a queda de R$ 7 bilhões da arrecadação acumulada desde o começo de 2009 em razão da desaceleração da economia e a expectativa de redução de mais R$ 3,4 bilhões decorrentes das desonerações do IPI para veículos e linha branca, têm motivado o governo a encontrar novas fontes de recursos. No cenário atual de crise, de desonerações irrefletidas e do novo plano de refinanciamento oferecido pela MP nº449, não há clima para aumento nem criação de novos impostos; tampouco se sinaliza qualquer hipótese de redução dos gastos públicos. Portanto, a única saída é arrecadar! Mas como?
É. Não dá para criar o sonhado imposto sobre grandes fortunas, mas tudo parece indicar que a opção para aumentar a pressão da fiscalização e recuperar a arrecadação desses R$ 10,4 bilhões foi avançar sobre a cinzenta zona do planejamento tributário, atuando, confortavelmente nas fronteiras entre o lícito e o ilícito. Ou seja, sem a possibilidade de criar, por lei, novos tributos, o Estado aproveita as mesmas brechas legais que dão margem ao contribuinte para pagar menos tributos, para exigir esses mesmo tributos, agora, em nome da lei. Eis o paradoxo: carcaças legislativas criadas em grande parte pelos casuísmos fiscais das privatizações ou para atender lobbies de setores específicos, deixaram uma legislação corrompida, repleta de brechas e imprecisões, que dá margens a interpretações dúbias, mas sempre em nome da legalidade. Mas será isso legalidade ainda?
É patente o paradoxo institucional que encontramos na definição de planejamento tributário como (a) pagar menos tributo (b) de forma lícita. O fisco não aceita que se usem formas lícitas apenas com o objetivo de pagar menos tributo; entende, nesses casos, que houve simulação e que a forma é ilícita, pois a única intenção da operação era pagar menos tributo. O fisco apenas aceita que a forma é lícita nos casos em que se paga menos tributo, mas não houve a intenção de pagar menos tributo.
Logo, verifica-se que a licitude ou ilicitude está na intenção de pagar menos tributo: se reduzo o tributo com a intenção de reduzir tributo, o ato é ilícito; se reduzo o tributo sem a intenção de reduzir tributo, o ato é lícito. Cria-se, assim, em nome da verdadeira substância ou intenção do negócio jurídico, o imposto sobre planejamento tributário cujo fato gerador, que decorre da imprecisão da legislação, é pagar menos tributo com a intenção de pagar menos tributo em conformidade com a lei e cuja base de cálculo é a perspectiva dimensível da intenção do contribuinte que permite a aplicação de multas de até 150%.
Contudo, é a própria legislação que o Estado cria e mantém que propicia a formação dessas quimeras legais: empresas veículo, ágio interno, possibilidades duvidosas no regime de apuração do IRPJ, empresas que se cindem para gozar das vantagens do regime do lucro presumido e pessoas físicas que constituem jurídicas apenas para pagar menos imposto. Tais situações geram conflitos valorativos e que sugerem soluções paliativas como a sinistra proposta da Lei Geral de Transação, insistentemente veiculada no último Pacto Republicano. Será essa a solução: transacionar? Ou será que já estamos transacionando?
Ora, se não há lei que regule o fato da intenção de menos pagar tributo como ilícito e, além disso, não é possível a prova de intenções ou o encontro da verdade real, não é possível legalidade e nem controle do ato de aplicação das leis. Acredito que essas são patologias da legalidade que não se resolvem com doutrinas brilhantes, nem com interpretações heroicas em nome seja do social seja da liberdade negocial. O ágio está na legislação: se propicia dedução fiscal ou impede a tributação do ganho de capital, dificulta e compromete a prova da "efetiva verdade do propósito negocial", talvez, seja o caso de revogá-lo ou criar uma isenção para o ganho de capital.
O que assistimos, destarte, é o resultado agonizante que decorre da omissão do Estado-legislador exercer seu dever de atualização e reforma da legislação tributária, propondo soluções institucionais para tais problemas concretos, ao invés de aproveitar-se, com astúcia, para arrecadar sobre áreas em que a legalidade é precária. Vale aqui a advertência de Saramago, no livro "Objecto Quase": "Em certos casos, a mínima contemporização é crime".
Eurico Marcos Diniz de Santi é mestre e doutor pela PUC-SP, professor de direito tributário e financeiro da Direito GV
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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